Patologia do câncer de mama após terapia neoadjuvante sistêmica (quimioterapia/ hormonioterapia)
Isnard Elman Litvin (CRM 21366) e Guilherme Portela Coelho (CRM 23795)
- O câncer de mama é a segunda neoplasia maligna mais frequente no mundo e a principal causa de óbito por câncer no sexo feminino.
- Apesar da abrangência crescente do rastreamento para diagnóstico do carcinoma mamário, ainda se observa uma incidência de casos localmente avançados no mundo entre 10 a 20% do total de diagnósticos, podendo alcançar até 60% dos casos novos em alguns países em desenvolvimento.
- Uma metanálise, que incluiu 11.955 pacientes, inicialmente apresentada no San Antonio Breast Cancer Symposium de 2012 e publicada em 2014 no The Lancet por Cortazar et al., mostra que a resposta patológica definida como ypT0ypN0 ou ypT0/isypN0 foi associada com melhores resultados ao longo prazo, além de mostrar forte valor prognóstico, principalmente para os subtipos agressivos de câncer de mama.
- O referido estudo avaliou resposta patológica completa (RCp), sobrevida livre de eventos (SLE); e sobrevida global (SG).
- As definições mais comumente usadas de RCp são:
- ypT0ypN0 (ausência de câncer invasivo e câncer in situ na mama e axila);
- ypT0/is ypN0 (ausência de câncer invasivo na mama e axila, independentemente do carcinoma ductal in situ) 24
- ypT0/is (ausência de câncer invasivo nos tumores de mama, independentemente de carcinoma ductal in situ ou envolvimento linfonodal).
- A RCp global foi de 22% para ypT0/is, 18% para ypT0/is ypN0 e 13% para ypT0 ypN0. Em geral, os pacientes que alcançaram uma RCp em qualquer definição teve maior SLE e SG do que aqueles com câncer invasivo residual.
- A taxa de resposta varia de acordo com: o perfil imuno-histoquímico e com o grau histológico:
- A taxa de RCp foi baixa nos pacientes com tumor receptor hormonal (RH) positivo de baixo grau;
- A taxa de RCp duplicou para os tumores RH positivo de alto grau;
- As taxas de resposta foram maiores nos tumores com HER2 amplificado HER- 2 positivo e nos triplo- negativos.
- Estes achados apoiam a indicação de quimioterapia né-adjuvante nos casos de tumores sem expressão de receptores hormonais (RH), ou nos que expressam RH e apresentam perfil Luminal B símile (ver capítulo de classificação molecular do carcinoma mamário).
- A avaliação anatomopatológica do espécime cirúrgico após tratamento sistêmico neoadjuvante serve, entre outras coisas, para avaliar a eficácia da terapia neoadjuvante.
- Alguns Sistemas de Classificação da Resposta Pós-terapia Neoadjuvante:
AUTOR |
ANO |
NOME DO SISTEMA |
PACIENTES (n) |
pCR (%) |
Chevallier B et al |
1993 |
Chevallier |
45 |
26 |
Sataloff DM et al |
1995 |
Sataloff |
36 |
28 |
Fisher ER et al |
2002 |
NSABP B18 |
1234 |
20 |
Ogston KN et al |
2003 |
M-P grade |
176 |
14 |
Carey LA et al |
2005 |
AJCC |
132 |
24 |
Symmans WF et al |
2007 |
RCB |
432 |
17 |
- Nós do Laboratório Diagnose nosso serviço utilizamos o Sistema de Symmans WF et al, pois avalia linfonodoa axila simultaneamente, subdivide a resposta parcial, e informa carga residual tumoral (como um tipo de variável).
- Neste sistema são avaliadas seis (6) variáveis pós-terapia sistêmica neoadjuvante para determinar dois valores:25
- O valor da carga residual de câncer e a classe da carga residual de câncer.
- A carga residual de tumor é avaliada tanto no leito tumoral primário (tecido mamário), quanto nos linfonodos regionais.
- No tecido mamário são avaliadas:
- A área em milímetros do leito tumoral primário, a celularidade percentual do tumor e, o percentual de doença “in situ”.
- Nos linfonodos regionais são avaliados:
- O número de linfonodos positivos e o diâmetro em milímetros da maior metástase.
- Para se calcular a carga residual de câncer e a classe da carga residual de câncer, é utilizada a fórmula: (RCB =1.4 (dprim x finv) 0.17 [4 (dmet x (1 – 0.75LN)] 0.17), disponível no site do MD Anderson, a qual utiliza os critérios relatados acima, os quais serão explicados nos parágrafos abaixo.
- O estudo do tecido dos espécimes cirúrgicos é dividido em três (3) fases:
- Informações antes do tratamento sistêmico neoadjuvante, exame macroscópico pós tratamento sistêmico neoadjuvante e o exame microscópico pós-tratamento sistêmico neoadjuvante.
- Uma equipe multidisciplinar composta por cirurgião, radiologista, oncologista e patologista visa a indicar corretamente a terapia neoadjuvante e mapear de modo inteligente o leito tumoral residual.
- Inicialmente deve ser realizada uma punção-biópsia da mama e avaliação dos linfonodos regionais.
- No laudo anatomopatológico da punção-biópsia da mama devem constar as seguintes informações:26
- Tipo histológico do carcinoma
- Grau histológico
- Celularidade percentual de tumor
- Relato de presença de carcinoma “in situ”, se houver.
- As reações para o exame imuno-histoquímico devem ser padronizadas. No nosso serviço, são executadas e reveladas por sistema totalmente automatizado Dako Agilent, PT-Link e Autostainer.
- Exame imuno-histoquímico utilizando as metodologias padronizadas pela literatura internacional do PEPI score (no caso de hormonioterapia) e do Allread score para os anticorpos:
- Receptor de estrógeno (no nosso serviço: anticorpo FLEX da Dako/Agilent)
- Receptor de progesterona (anticorpo FLEX da Dako) (no nosso serviço: anticorpo FLEX da Dako/Agilent)
- KKi-67 (anticorpo FLEX da Dako) (no nosso serviço: anticorpo FLEX da Dako/Agilent);
- HERer-2 (clone SP3 da Spring, no nosso serviço).
- Os linfonodos regionais são avaliados por meio de ecografia e quando suspeitos pode ser recomendada a punção aspirativa com agulha fina (PAAF) encaminhando o material para exame citopatológico ou eventualmente punção-biópsia com agulha grossa (core biopsy) para exame histopatológico.
- Informações necessárias importantes de serem fornecidas ao laboratório de patologia antes do exame macroscópico de espécime pós-terapia neoadjuvante sistêmica:
- Idade da paciente,
- Indicação da terapia neoadjuvante,
- Tipo de terapia neoadjuvante,
- Lateralidade da mama envolvida pelo tumor,
- Localização exata do tumor (quadrante),
- Presença ou não de clipe no leito tumoral e/ou no linfonodo,
- Tamanho do tumor pré-tratamento,
- Pelo menos um exame de imagem,
- Informações sobre os linfonodos regionais com auxílio de exames de imagem e o tipo de procedimento cirúrgico realizado.
- Na segunda fase é realizado o exame macroscópico da peça cirúrgica. Tumores maiores que 1,0cm e não fixados podem ser congelados e enviados para biobancos 27:
- Segunda fase: Como realizado na rotina do laboratório de patologia, inicia-se orientando a peça cirúrgica pós-tratamento neoadjuvante tendo como informações:
- A lateralidade,
- O quadrante,
- Fios cirúrgicos de reparo (designados como curto=cranial, longo=lateral e médio=medial),
- Presença de fio metálico ou de clipe metálico e pelo menos um exame de imagem.
- A peça é pesada, medida e as margens cirúrgicas são pintadas com tinta nanquim.
- A peça é cortada em fatias de 0,5cm de espessura de antero-superior para postero-inferior e cada fatia é rotulada como 1, 2, 3, etc, e subdividida em letras A, B, C, etc. (do eixo superior para inferior), montando-se um gráfico de coordenadas e para melhor avaliar o leito tumoral.
Metodologia para manuseio do espécime visando a estimar presença e características do tumor residual
Se, por exemplo, o tumor estiver em quatro lâminas de fatias consecutivas, a extensão do tumor será 4 x 0,3 = 1,2cm.
- Procura-se então, identificar a presença de tumor residual.
- Havendo tumor residual deve-se relatar a localização do tumor, a medida do tumor em milímetros, e, se o tumor é unifocal ou multifocal.
- Não se encontrando tumor residual, relata-se a presença de alterações como, por exemplo, fibrose ou áreas de adensamento, sua localização e sua dimensão.
- São feitos cortes representativos do leito tumoral para a confecção de lâminas histológicas.
- A terceira fase é o exame microscópico de lâminas coradas pelo método da hematoxilina e eosina. Neste momento, relatar-se a presença ou não de tumor residual na mama e nos linfonodos regionais.
- Havendo tumor residual informa-se:
- Tamanho do tumor residual em milímetros (dois maiores eixos)
- Grau histológico,28
- Percentual de celularidade residual de acordo com o escore de Miller-Payne
Diagramas ilustrativos para orientação da categorização da celularidade tumoral residual
- Se há carcinoma “in situ” e o percentual de carcinoma “in situ”,
- Invasão angiolinfática (com auxílio do exame imunohistoquímico utilizando os anticorpos que identificam células do endotélio vascular, por exemplo, CD31, CD34 Podoplanina, quando necessário),
- Distância da margem cirúrgica em milímetros e presença ou ausência de linfócitos infratumorais e presença ou ausência de microcalcificações.
- Não havendo tumor residual relata-se a presença de fibrose, necrose, atrofia ou outras alterações da mama.
Morfologia de um carcinoma previamente a quimioterapia neo-adjuvante (observar a densidade tumoral), H&E, 100x
Morfologia de um carcinoma após quimioterapia neo-adjuvante, com Resposta Patológica Completa (RPC), H&E, 100x
Morfologia de um carcinoma após quimioterapia neo-adjuvante, sem RPC (observar a densidade tumoral -resposta parcial), H&E, 100x
Morfologia de um carcinoma após quimioterapia neo-adjuvante, sem RPC (observar a densidade tumoral- resposta insignificante, compatível com tipo e grau histológico pré-QT - Lobular Clássico, grau 1), H&E, 100x
- Os linfonodos são cortados em fatias de 2,0 milímetros e totalmente incluídos para análise microscópica; após coloração pelo método da hematoxilina e eosina, relata-se:
- O número total de linfonodos isolados,
- Em quantos linfonodos há metástase,
- A medida do maior foco de metástase,
- A presença ou ausência de extensão extranodal,
- A presença ou ausência de micrometástase (foco menor que 2,0 milímetros)
- A presença ou ausência de células tumorais isoladas.
- Caso haja discordância entre o tamanho do tumor residual no exame macroscópico e no exame microscópico, considera-se o de maior tamanho.
- Há indicação de repetição do exame imuno-histoquímico já realizado na biópsia de mama, quando:
- O resultado na biópsia for negativo ou equívoco,
- Carcinoma invasor for mínimo na biópsia,
- Exame realizado em outra instituição não padronizada,
- Tumor heterogêneo morfologicamente,
- Não haver resposta esperada ao tratamento,
- Receptor de Estrógeno negativo,
- HER-2 negativo ou
- Em caso de triplo-negativo.
- A invasão angiolinfática sem massa de neoplasia residual invasora é um evento raro que deve ser relatado e mensurado, mas não deve ser considerado no cálculo do
RCB. Esta situação deve ser diferenciada do carcinoma “in situ” e de artefatos de retração, por vezes sendo necessário o estudo imuno-histoquímico para elucidação diagnóstica.
REFERÊNCIAS
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- Lester SC, Bose S, Chen YY, Connolly JL, de Baca ME, Fitzgibbons PL, Hayes DF, Kleer C, O’Malley FP, Page DL, Smith BL, Tan LK, Weaver DL, Winer E; Members of the Cancer Committee, College of American Pathologists.Protocol for the examination of specimens from patients with invasive carcinoma of the breast.Arch Pathol Lab Med. 2009 Oct;133(10):1515-38.
30
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- http://www.mdanderson.org/breastcancer_RCB. - 08/02/2016 - 10:00. See comment in PubMed Commons below